Uma das primeiras mulheres aprovadas no Concurso Público para Procuradora do Estado de Alagoas fala sobre os desafios da carreira em uma época em que, por questões culturais, a discriminação de gênero começava dentro de casa.

Diante da celebração de duas relevantes datas para a Associação dos Procuradores do Estado de Alagoas, Dia da Advocacia Pública e Dia Internacional da Mulher, comemorados respectivamente nos dias 7 e 8 de março, conversamos com a Procuradora do Estado de Alagoas Eloína Braz sobre seus 20 anos na carreira pública, sobre as mudanças na procuradoria Geral do Estado desde a década de 80 até os dias atuais e como ela enxerga a figura feminina ocupando um cargo importante tanto no âmbito profissional quanto na vida pessoal.

 

O que representa para a Sra. ter sido uma das primeiras mulheres a ocupar um cargo na advocacia pública do Estado, mais precisamente como Procuradora do Estado de Alagoas?

Posso resumir em uma palavra: responsabilidade. Me considero uma guerreira na Procuradoria Geral do Estado por tudo o que vivi e enfrentei lá dentro. Gosto de falar que nunca encarei meu trabalho como um status de poder, sempre enxerguei apenas como um compromisso que precisava ser assumido com uma grande responsabilidade. Sempre dediquei minha vida ao trabalho, aos meus objetivos. Entre as 19 vagas ofertadas, fui aprovada em 4º lugar no concurso público da Procuradoria Geral do Estado de Alagoas. Encarei cada posição que assumi dentro da PGE como um cargo relevante, buscando corresponder toda confiança em mim depositada tanto por parte do Procurador Geral do Estado quanto do governador.

Quais as principais mudanças que consegue identificar em relação à carreira fazendo um parâmetro lá dos anos 80 para os dias atuais?

Analisando o I Diagnóstico da Carreira de Procurador do Estado de Alagoas e da Procuradoria Geral do Estado, conseguimos enxergar que praticamente não houve mudança nenhuma do ponto de vista estrutural. A estrutura física da PGE de 1981, quando ingressei, segue praticamente a mesma, os procuradores seguem trabalhando em espaços ínfimos, insignificantes e inadequados para a prestação de um serviço de excelência a começar pela estrutura das salas. Infelizmente nesse quesito seguimos lutando por melhorias. A única mudança que enxergo como positiva foi em relação à tecnologia. Com a chegada da Internet, passamos a conseguir uma excelente e ágil interação com as demais Procuradorias de Estado, o que proporciona um enriquecimento do exercício pleno da advocacia pública.

Acredito que o Diagnóstico foi um passo gigantesco e será decisivo para o avanço das melhorias na PGE. A leitura e compreensão dos dados ali mensurados irão proporcionar um futuro muito melhor a nossa frente. Espero que as autoridades do Estado tenham sensibilidade, leiam a publicação e possam investir mais e melhor na categoria em questão.

Quais os desafios encontrados no início da carreira de Procuradora do Estado? O fato de ser mulher dificultou o seu trabalho em algum momento?

Foram muitos, mas posso citar alguns mais relevantes. Naquela época quase não havia espaço para mulheres na PGE. Lembro muito de uma Procuradora que acabou se tornando uma grande referência na minha vida profissional que foi a dra Celina Gama. Quando iniciei na advocacia pública, a PGE funcionava num pequeno prédio empresarial situado em frente à Praça Sergipe, no Farol. Antes funcionava em uma sala no prédio sede do Governo Estadual, na Praça dos Martírios, tendo como única mulher a compor o quadro de procuradores, a já citada Dra. Celina Gama.  Na década de 80 trabalhávamos na então chamada Procuradora Jurídica diretamente no Palácio do Governo. Foi ali que dei início a minha labuta na advocacia pública. Já haviam algumas Procuradoras egressas do quadro jurídico do Estado de Alagoas em secretarias de Estado, mas procuradoras concursadas eram pouquíssimas. O trabalho era intenso porque além de atuar na defesa do Estado e da Fazenda Pública Estadual, também éramos responsáveis pela defensoria pública, já que naquela época ainda não existia o quadro de defensor público. Então éramos distribuídos pelas comarcas do interior de Alagoas a fim de executar esse serviço e digo com muito orgulho que passei por quase todas elas. Do Alto Sertão à Capital. Também ocupei por vários anos a coordenação da Procuradoria Fiscal, hoje, Procuradoria da Fazenda Estadual e fiz parte do Conselho Superior da PGE. Sempre amei desempenhar minha função, seja qual fosse, com toda dedicação e responsabilidade. Sempre entreguei o melhor de mim.

Analisando alguns dados do Diagnóstico da Carreira, é possível constatar que o quadro de profissionais mulheres na PGE é bem inferior ao de homens. Do total de associados, a APE-AL tem 75 associadas mulheres (36,5%) e 130 associados homens (63,5%). Como a Sra. enxerga essa realidade?

Um número muito baixo de mulheres procuradoras na PGE. Imaginava um número mais equilibrado, infelizmente.  Este ano, enfim, após 11 anos teremos um novo Concurso Público para Procurador do Estado de Alagoas, quem sabe não conseguimos chegar mais perto do número de procuradores homens, não é mesmo? Sem desmerecer o trabalho dos meus colegas, longe disso, mas desejaria ver sim mais mulheres na carreira.

Como poderia resumir sua trajetória na advocacia pública?

Com toda certeza em uma única palavra: ousadia. Sempre estive nos lugares onde todo mundo achava que não era para uma mulher estar. Nunca me importei com a opinião dessas pessoas. Sempre gostei muito de ler e os livros me apresentavam e ainda apresentam mulheres inspiradoras do passado, que abriram caminhos, que lutaram por seus direitos sem medo nem pudor. Devemos ter consciência que as conquistas de hoje foram consequências de muito sofrimento das mulheres do passado, de muita luta. Não tem como negar ou esconder, sempre houve discriminação de gênero no meio profissional e ainda posso destacar uma maior ênfase na carreira da advocacia. Ouvi de muita gente que a advocacia era papel de homem, mulher deveria ser professora, psicóloga, mas jamais advogada. Fico feliz em ver que estamos conseguindo provar ao longo do tempo que qualquer profissão pode ser desempenhada com maestria por nós mulheres.

Sofri discriminação dentro da minha própria casa. Meu pai sempre foi contra o meu sonho de ser advogada, ele era uma daquelas pessoas que queriam que eu fosse professora, por ser mulher. Ele jamais autorizou meu ingresso na Faculdade de Direito. Tenho muitas lembranças de ouvi-lo falar “Eu jamais quero ter uma filha advogada. Advocacia é profissão de homem. Você vai se casar, vai ter filhos, vai viver para sua família e ser professora” e eu sempre respondia “Papai, essa não é a vida que quero para mim.” Então, um belo dia fiz um trato com ele e cumpri. Sempre cumpri minhas promessas e compromissos. Realizei o sonho dele de ser professora, mas prometi a mim mesma que logo depois realizaria o meu sonho de ser advogada. Ingressei no curso de Pedagogia, conclui a graduação e logo fui aprovada em 1º lugar num concurso para lecionar. Um ano depois, fui atrás de realizar o meu sonho e foi o que fiz. Foi preciso ter muita ousadia, aproveitar as oportunidades que me foram oferecidas e jamais ter medo dos julgamentos alheios.

 

Tem algum caso interessante envolvendo sua posição de mulher na vida profissional que gostaria de compartilhar com a gente?

Tenho alguns, mas queria citar um acontecimento triste que me ocorreu há alguns anos. Estava em uma solenidade importante do meio jurídico quando me deparei com uma cena lamentável. Fiquei estarrecida quando presenciei uma autoridade, homem, não convidar nenhuma representante mulher para compor a mesa do evento, mesmo sabendo que havia desembargadoras e juízas ali naquele momento. Só foram citados desembargadores e juízes. Na época, eu estava presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB, aquilo me deixou muito triste e indignada. Eu prontamente pedi a palavra e falei que achava inadmissível que em pleno século XXI, numa Corte de Justiça Federal nenhuma mulher fosse, ao menos, citada naquela ocasião. Infelizmente a predominância masculina ainda reina em todos os âmbitos sociais, por isso precisamos seguir lutando pelo nosso espaço.

A mulher tem que olhar para seus colegas homens na profissão como iguais. Enfrentá-los não como luta de gênero, não como querendo tomar para si o lugar dele, mas para ser reconhecida como capaz, intelectual.  Nós temos uma sensibilidade nata que nos torna muito mais aguçadas que o homem. A luta da mulher advogada pública ainda é essa, viver num ambiente extremamente masculino. Sem querer medir força, mas de forma feminina, educada e responsável fazer com que seja reconhecida por sua capacidade, zelo e profissionalismo. Assim chegaremos onde quisermos em qualquer segmento da sociedade.

Qual sua perspectiva de futuro para a mulher na carreira da advocacia pública do Estado de Alagoas?

Todas as melhores possíveis. Não apenas na carreira da advocacia pública, mas em todas as áreas imagináveis. Temos tantos exemplos incríveis de mulheres que foram reconhecidas pelo seu trabalho, cito Nise da Silveira que revolucionou a história da psiquiatria, Teresinha Ramires, alagoana que dedicou sua vida à defesa das mulheres de periferia, olhemos mulheres como Fernanda Marinella que deu uma verdadeira aula de administração enquanto primeira mulher a assumir a OAB Alagoas e continua dando exemplo no Conselho Nacional do Ministério Público e Conselho Federal da OAB. Mulheres como Marilma Torres, Solange Jurema e tantas outras alagoanas que dedicaram sua vida profissional a incentivar outras mulheres a chegar além do senso comum.

A história vem nos ensinando que podemos chegar a qualquer lugar usando nossa sensibilidade, responsabilidade e lisura. Não é uma questão de sorte. É uma questão de ousadia, disciplina, dedicação e competência.