Autora: Eloína Maria Braz dos Santos, Procuradora do Estado de Alagoas

Nasci para ser advogada. Nos meus doze anos de idade em Atalaia me encantava assistindo o Professor Genário Farias (genitor da nossa colega aposentada Maria Antonieta Farias) fazer a defesa de réus pobres nos julgamentos pelo júri popular. Via-me no lugar daquele professor erudito. Aos quatorze anos vivenciei uma cena de terror que me marcou até hoje: presenciei um cabo da polícia militar de Alagoas, no meio da rua e à minha frente, sacar sua arma e atirar contra um estudante secundarista líder estudantil na época. Institivamente, parti contra o assassino e (até hoje não sei como) tomei-lhe o revólver e gritei aos curiosos que chamassem a polícia, a quem entreguei a arma.

 

Foi ali que decidi ser uma advogada criminalista para defender pobres e indefesos. Mas, tive que primeiro ser professora (máximo de aspiração profissional dado às mulheres) sem nunca abandonar a luta com a minha própria família para me deixar fazer o vestibular de Direito na UFAL.

 

Para saber sobre as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que queriam enveredar numa profissão viril, iniciei uma pesquisa nos livros da biblioteca do Instituto de Educação e na Biblioteca Pública de Maceió. No mundo incrível dos livros conheci a carioca Myrthes Gomes de Campos, pioneira na luta pelos direitos femininos, como o exercício da advocacia pela mulher, o voto feminino e a emancipação jurídica feminina. Nascida em 1875, concluiu o bacharelado em Direito em 1898, mas somente em 1906 conseguiu registro no Instituto dos Advogados do Brasil, equivalente, hoje, ao registro na OAB. Estreou como criminalista no júri popular em 1899, sendo delas estas palavras ao iniciar a fala da defesa: (…). Envidarei, portanto, todos os esforços para não rebaixar o nível da justiça, não comprometer os interesses do meu constituinte nem deixar uma prova de incapacidade aos adversários da mulher como advogada. Essas palavras, qual dogma, me acompanham profissionalmente até hoje.

 

A revelia dos meus pais me inscrevi, em final de 1970, no vestibular de Direito da UFAL, cujas provas se realizaram no Trapichão e onde eu tive o prazer de conhecer vários concorrentes que hoje são meus colegas queridos de Procuradoria, Maria Aparecida Teles Araújo e Elias Maximinino Lins, além do renomado advogado internacional Antonio Nabor Areias Bulhões.

 

Como era meu sonho, iniciei pelo Direito Criminal e labutei por quinze anos ininterruptos. No início fui muito discriminada, mas tal qual a advogada Myrthes nunca me intimidei, ao contrário tomava cada dúvida sobre a minha capacidade como um desafio a ser enfrentado com a busca da vitória das minhas teses jurídicas e meu poder de persuasão. Nas centenas de processos penais e de julgamentos pelo Tribunal do Júri Popular que funcionei por todo Estado de Alagoas (muitos dos quais, já como procuradora da extinta procuradoria de defensoria pública) nunca decepcionei nem a Justiça, nem aos meus muitos clientes e nem a minha Instituição Mãe – OAB.

 

Entretanto, vejo ao longo dessas três últimas décadas que, apesar das muitas lutas e conquistas femininas, ainda persistem os preconceitos de gênero. A história está ai recheada de fatos, foram precisos mais de cinquenta anos depois da Dra. Myrthes, para que uma mulher tomasse assento na magistratura brasileira. Refiro-me a Dra.Catarina Thereza Grisólia Tang, primeira magistrada brasileira, de Santa Catarina e a advogada Elisabeth Carvalho Nascimento – primeira magistrada de Alagoas a assumir a presidência do TJAL. Fato interessante da hegemonia do gênero masculino nas carreiras jurídicas no Brasil ocorreu em 2000, ano em que Ellen Gracie ascendeu ao posto de Ministra do Supremo Tribunal Federal e não havia nas suas dependências nenhum banheiro feminino.

 

Inegável a crescente presença feminina nas carreiras jurídicas, com muito maior expressividade no exercício da advocacia pública e privada, a ponto de constituirmos, agora, o percentual de 43% do total de advogados inscritos na OAB. Segundo a Dra. Fernanda Marinela, conselheira da OAB/AL, representante de Alagoas no Conselho Federal, “A busca pela igualdade de gênero deve ser pauta primordial da advocacia brasileira. A Ordem dos Advogados do Brasil é composta hoje por cerca de 403 mil mulheres e 467 mil homens. As mulheres, portanto, representam 43% da advocacia nacional”.

 

Infelizmente, ainda temos de transpor muitos preconceitos no tocante a ocupação de espaços de poder, de mando dentro do universo da Ordem. Ainda somos poucas advogadas conselheiras seccionais, menos ainda nas Diretorias das Secções Estaduais e zero na presidência das 27 (vinte e sete) Secções Estaduais e do Distrito Federal. Por falta de capacidade ou de disposição e coragem feminina não é.

 

Acesse-se o site do Conselho Federal, clique-se no linque seccionais, pesquise Estado a Estado e se verá que todas as Seccionais da OAB são presididas por homens.

 

Isto se deve, na verdade, a uma cultura machista que resiste ao tempo; a união e fidelidade dos homens que fazem questão de se auto indicar para os cargos de mando e subutilizarem a capacidade laborativa e a sensibilidade das advogadas, chamando-as para coadjuvar suas ações como coordenadoras, secretárias, assistentes.

 

Precisamos mudar este quadro, recusarmos a sub e pseudo valorização da advogada; precisamos alçar nossos próprios voos, nos unindo corajosamente e ousando trabalhar para sermos nós mesmas as protagonistas de metade da mesa a que temos direito já que pagamos a conta de cinquenta por cento.

 

Lembro-me, na última gestão do presidente Marcelo Teixeira, mesmo fazendo parte do Conselho da OAB de Alagoas, Solange Jurema, eu, Marilma, Aydete, Magali, ousamos dissentir do Conselho e lançamos uma chapa encabeçada pela advogada Solange Jurema. Sem dinheiro, partimos para uma luta desigual, corpo a corpo, visitando e clamando por cada advogado, cada escritório, cada lugar que abrigava advogados, sempre divulgando nossas propostas. No final da eleição, perdemos para o candidato da situação, Advogado Humberto Martins, hoje Ministro do STJ, mas por 27 votos de diferença. Foi um ganho muito significativo.

 

Precisamos, hoje, no Brasil, nos unir para conquistarmos a metade dos espaços que nos pertence. Precisamos desmistificar que somente os homens teem capacidade para presidir as seccionais brasileiras da OAB. Precisamos lutar por nós mesmas. E nós temos valorosas e destemidas advogadas capazes de bem conduzir qualquer Seccional da OAB.