Autora: Marialba Santos Braga, Procuradora do Estado de Alagoas

Nas últimas décadas, particularmente depois de meados dos anos 70, como resposta do capital à sua crise, intensificaram-se as transformações no processo produtivo capitalista, por meio de avanço tecnológico e de um amplo processo de reestruturação produtiva, ao qual o toyotismo pode-se destacar. Essas transformações, decorrentes, por um lado, da própria concorrência intercapitalista e, por outro, dada pela necessidade de controlar o movimento operário e a luta de classes, acabaram por afetar a classe trabalhadora e o seu movimento sindical e operário, afetando tanto a sua materialidade, a sua forma de ser, quanto a sua esfera mais propriamente subjetiva, política, ideológica, dos valores e do ideário que pautam suas ações e práticas concretas. Nessa linha, esse processo pôde ser sentido com mais intensidade no Brasil a partir do fim da década de 1980.

A passagem de um modelo de produção fordista para toyotista trouxe consigo a necessidade de, em curto prazo de tempo, as empresas poderem reduzir ou ampliar seu quadro de trabalhadores. Neste contexto insere-se o neoliberalismo, o qual dispõe que para a retomada da prosperidade devem ser garantidas a liberdade de atuação das empresas privadas e a livre expansão do mercado em escala mundial. A norma jurídica trabalhista ideal para proporcionar a estabilidade e garantir o funcionamento da empresa fordista é a lei. Já a unidade produtiva toyotista trabalha no sentido contrário. É o consumo que determina a produção, e não o inverso.

A teoria da flexibilização do Direito do Trabalho ganha força na medida em que as empresas vão organizar de forma sistemática o emprego toyotista de mão-de-obra. Desse modo, a CLT cederia lugar a um Direito do Trabalho que se adapta às exigências de uma organização descentralizada da empresa.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu três hipóteses de flexibilização, sob tutela sindical, no que respeita ao salário (art. 7º, VI) e jornadas de trabalho (art. 7º, XIII e XIV). Além disso, a Lei 9.601/1998 consagrou a possibilidade de contrato de trabalho sem a observância dos requisitos estatuídos no art. 443, § 2º, da CLT. A Medida Provisória 2.164, de 24/08/2001 estabeleceu a possibilidade do contrato de trabalho em regime de tempo parcial, ao introduzir o art. 58-A à CLT; também possibilitou a flexibilização de horários, atribuindo nova redação ao art. 59 do diploma consolidado, através daquilo que se convencionou chamar “banco de horas”; além de ter trazido à baila a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho para frequência do trabalhador a curso de qualificação profissional, ao acrescentar o art. 476-A à CLT.

Como podemos observar, inúmeras foram as formas de flexibilização do direito do trabalho, algumas delas sob o manto da tutela sindical, através das negociações coletivas, sempre com o pretexto de se “adequar as relações entre capital e trabalho ao contexto da economia mundial”, às “novas tendências da competitividade mundial” e “à preservação dos postos de trabalhos”, assim como à diminuição do desemprego. Como o tempo tratou de clarear a verdade, o fim não justificou os meios: apesar de precarizar as condições de trabalho no Brasil, além de enfraquecer os movimentos sindicais, as diversas formas de flexibilização aventadas nas legislações que as autorizaram não deram resposta ao problema do desemprego.

Resumindo, a chamada flexibilização do direito do trabalho é o resultado de uma procura feita pelo “novo capitalismo”, na figura do neoliberalismo, para alcançar a solução para a crise deste mesmo sistema, privilegiando a atividade empresarial, na medida em que a mesma se amolda ao novo padrão de desenvolvimento empresarial toyotista, só restando ao trabalhador aderir a esta lógica de mercado, pactuando com condições de trabalho mais instáveis e precárias, tendo como consequência direta a dilapidação do movimento sindical, espirrando-se irremediavelmente no âmbito das relações individuais de labor e na precarização das condições de trabalho.

Desse modo, podemos chegar à ilação que, hodiernamente, as negociações coletivas, na esteira do processo histórico sóciotrabalhista desenhado nas últimas décadas no Brasil, acima expostos, possuem autonomia para flexibilizar e precarizar direitos trabalhistas.

Todavia, imperioso ressaltar que essa flexibilização encontra limites. Nessa linha, podemos trazer à tona o princípio da adequação setorial negociada, inaugurado pelo professor Maurício Godinho Delgado. Em suas palavras[1]:

“As normas autônomas juscoletivas construídas para incidirem  sobre certa comunidade econômicoprofissional podem prevalecer  sobre  o  padrão  geral  heterônomo  justrabalhista  desde  que  respeitados  certos  critérios  objetivamente fixados. São dois esses critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas  juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da  legislação heterônoma  aplicável; b) quando as normas autônomas  juscoletivas  transacionam  setorialmente  parcelas  justrabalhistas  de  indisponibilidade  apenas  relativa  (e  não  de  indisponibilidade absoluta)”.

Nesse sentido, seguindo o posicionamento de Delgado, podemos afirmar que “há  limites  objetivos  à  adequação  setorial negociada;  limites  jurídicos  objetivos  à  criatividade  jurídica  da  negociação  coletiva trabalhista”[2].  Assim, ela não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia, e não transação, ou seja, ante a inexistência de concessões recíprocas, assim como falecerá se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta, por constituírem um patamar civilizatório mínimo.

[1] DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho, 3ª ed., São Paulo: LTR, 2008, pág. 158 a 161. Material da 2ª aula  da  Disciplina  Relações  Coletivas  de  Trabalho, ministrada  no  Curso  de  Pós-Graduação  Lato  Sensu TeleVirtual  em  Direito  e  Processo  do  Trabalho  – Anhanguera-UNIDERP | REDE LFG.

[2] Idem.